quinta-feira, 8 de março de 2012

Da arte de saber envelhecer


No dia seguinte, ninguém morreu. Esta é a frase com que o escritor português José Saramago inicia As intermitências da morte, romance lançado no ano de 2005 e que traz a morte como personagem principal. Depois de séculos sendo temida e odiada por toda a humanidade, ela resolve deixar de existir, trazendo consigo todas as consequências possíveis dessa decisão. Porque o fim não existiria, mas todo o resto – a dor, o sofrimento, o envelhecimento –, sim. Quem sofresse de uma doença incurável, por exemplo, agonizaria infinitamente, sem ter a morte para aliviar-lhe o sofrimento. E, aí, somos levados, por meio da leitura, a refletir sobre a importância dessa "inimiga" para a nossa existência sobre a Terra. Ela é, infelizmente, um mal necessário. E a única certeza que temos.


Até que ela nos alcance – de preferência, depois de já termos muito vivido –, é à vida que devemos nos lançar. Inteiros, completos, intensos. Em todas as suas fases, com todas as suas nuances e complexidades. Tenho pensado muito nisso nos últimos tempos. Há cerca de duas semanas, assisti, em um programa de televisão, a uma entrevista com a escritora Danuza Leão. E, confesso, não fosse pelo anúncio feito pela apresentadora, não a teria reconhecido. Não por, aos 72 anos, pouco lembrar a bela mulher de décadas atrás, mas por estar absolutamente irreconhecível. Nada em seus traços lembrava a figura que foi um dia. As intervenções cirúrgicas foram tantas que tiraram dela qualquer recordação da mulher que outrora enfeitava capas e editoriais de revistas com sua beleza elegante e esplendorosa. E Danuza é, apenas, um exemplo dentre tantos que temos visto por aí. De gente em uma luta ingrata contra o tempo, tentando retardar o inevitável.


Se estamos vivos, envelhecer é um processo natural. E contra o qual não podemos lutar. A medicina evoluiu muito. Em todas as especialidades. Na área da cirurgia plástica e da estética não foi diferente. Muitos são os recursos, hoje, disponíveis para as mulheres (e homens) que desejam suavizar os sinais da idade que, inevitavelmente, vão surgindo. De toxinas botulínicas a preenchimentos faciais, há de tudo no mercado da beleza. E para todos os bolsos e gostos. A cirurgia plástica se democratizou, tornando-se acessível a todas as classes sociais. Para quem sofre com problemas de baixa autoestima, é uma boa notícia. Ficou mais fácil melhorar o que não é tão perfeito, o que nos desagrada e nos faz ficar desconfortáveis em nossa própria pele. Longe de mim satanizar as intervenções estéticas, que, tantas vezes, fazem homens e mulheres mais felizes e capazes de viver suas próprias vidas de forma muito mais positiva e satisfatória. Jamais! Uma correção benfeita em uma parte do corpo que tanto incomoda pode fazer milagres pela nossa autoestima. E, até mesmo, pelos nossos relacionamentos.


Perturbam-me, sim, os excessos. O festival de aberrações estéticas a que temos assistido nos últimos tempos. Sobretudo nas chamadas celebridades, sempre tão expostas na grande mídia, sem conseguir esconder as intervenções a que se submetem. Um grande número de mulheres perdendo sinais básicos de expressão, com o rosto excessivamente esticado e os lábios artificialmente intumescidos. Atrás de que correm essas pessoas? Onde se encontra escondido o senso crítico, que não lhes permite enxergar o monstro em que estão se transformando? Acaso não há alguém, um amigo, um diretor de novela, um filho a  alertá-las para os excessos cometidos? Reconhecem a si mesmas nesses rostos disformes e tão modificados? São perguntas que me faço toda vez que vejo uma “Danuza” nas ruas, no supermercado, na praia ou nas telas de nossas TVs e cinemas. 


Assim como não morrer é absolutamente contrário às normas da vida, não envelhecer também o é.  É preciso ter a serenidade para entender que a grande riqueza da vida está em viver as suas fases de forma plena e intensa. Agarrar-nos ao que fomos um dia, sem deixar a nossa história seguir, naturalmente, seu curso é absurdamente sofrido e neurótico. Uma guerra inútil na qual, inevitavelmente, sairemos derrotadas.  A aceitação do que somos, e daquilo em que vamos nos transformando, talvez seja a grande lição a ser aprendida. Em tempos de supervalorização da beleza e da juventude, uma difícil tarefa. Um exercício de superação. Uma declaração de amor a nós mesmas e à vida.

2 comentários:

  1. " A aceitação do que somos, e daquilo em que vamos nos transformando..." parece ser mesmo o que precisamos aprender dia após dia. Por mais que nos cuidemos envelhecemos, e vamos ficando diferentes, da textura da pele à disposição física para coisas que sempre fizemos. O que não nos torna piores ou inferiores, apenas diferentes! Adorei a argumentação a partir das reflexões de José Saramago. Agora quero ler este livro!

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  2. Que bom ler o que você escreve! Fico super feliz com os textos simples e de tanto significado para nós. Envelhecer é uma arte e aceitar as mudanças que sofremos ao longo da vida faz parte do nosso amadurecimento e crescimento espiritual.

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